“Não podemos deixar o ecumenismo apenas nas
mãos dos diplomatas, dos políticos ou dos teólogos: devemos pregá-lo nas
paróquias”. A reflexão é de Sviatoslav Shevchuk, 43 anos, arcebispo maior da
Igreja greco-católica ucraniana. Shevchuk acaba de chegar ao Vaticano, à Casa
Santa Marta. Depois irá à Praça Madonna dei Monti, onde permanecerá durante um
mês, em vista da oração e da celebração para recordar o 80º aniversário da grande
fome (Holodomor) que provocou a morte de milhões de pessoas na Ucrânia entre
1932 e 1933.
A entrevista é de Andrea Tornielli e publicada
no sítio Vatican Insider, 20-11-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Qual é o impacto do novo Pontificado em seu
país?
O Papa Francisco está no centro das atenções da
sociedade ucraniana: as pessoas o acompanham, e se interessam por ele não
apenas os católicos, mas também os ortodoxos e os não crentes. Eu tive a
oportunidade de conhecer o então cardeal Bergoglio quando, em 2009, fui nomeado
bispo da eparquia de Santa Maria do Patrocínio, em Buenos Aires. Ele era o meu
superior imediato, porque a eparquia estava subordinada à diocese da capital
argentina. Quando deixei o país, depois de ter sido eleito patriarca,
presenteei-o com um ícone. Há alguns meses, em Santa Marta, ele me reconheceu e
me convidou para ir ao seu quarto para me mostrar que havia trazido consigo
aquele ícone ao Vaticano. O que surpreende é sua simplicidade e sua capacidade
de se aproximar das pessoas. Na Ucrânia impressionou muito sua sobriedade e sua
pobreza. Muitas vezes os bispos do nosso país são acusados de serem muito
dependentes da riqueza, como se fossem oligarcas, como se projetassem uma
Igreja para ricos. Francisco oferece o testemunho de uma Igreja próxima das
pessoas, dos pobres, e anuncia o Evangelho do Senhor.
Como estão atualmente as relações entre
católicos e ortodoxos na Ucrânia?
A nossa realidade é muito complexa, o nosso
cristianismo está muito fragmentado: somente nós, os católicos, estamos
presentes com três realidades “sui iuris”. A conferência episcopal dos latinos,
a eparquia de Mukaceve (que depende diretamente da Santa Sé) e a Igreja
greco-católica. Procuramos oferecer o testemunho da unidade, sobretudo entre
nós. Como se sabe, também a Igreja ortodoxa está fragmentada; além da
“canônica”, em comunhão com o Patriarcado de Moscou, há outras duas Igrejas
ortodoxas. Fazemos o possível para colaborar. Existe um Conselho das Igrejas e
também comunidades religiosas ucranianas nas quais, ao lado dos judeus e dos
muçulmanos, os cristãos das diferentes confissões podem tomar atitudes em
comum. Claro, na Ucrânia as Igrejas ortodoxas muitas vezes não entendem porque
nós, os greco-católicos, existimos; consideram-nos um projeto político do
passado. Mas também há sinais positivos, há um povo que está cansado das
divisões e pede unidade, está aumentando o ecumenismo de baixo para cima.
É verdade que às vezes não se reconhece entre
Igrejas cristãs nem sequer a validade do batismo?
Eu disse há algum tempo que nós, na Ucrânia,
temos um pecado contra o ecumenismo, porque o deixamos exclusivamente nas mãos
dos diplomatas, dos políticos ou dos teólogos. Agora devemos pregá-lo nas
paróquias, para que os fiéis se acostumem a não fazer nada que possa colocar em
dificuldades o outro irmão cristão. Os que devem pregá-lo são os sacerdotes e
os confessores. As Igrejas cristãs na Ucrânia, na ex-União Soviética, ficaram
separadas do movimento ecumênico mundial, quase “congeladas”; para nós, os
católicos, a fase de recepção do Concílio Vaticano II está apenas começando. Ao
mesmo tempo, os ortodoxos precisam colocar em prática na práxis pastoral
decisões que já estão estabelecidas há tempo, inclusive em relação ao
reconhecimento mútuo dos sacramentos. Mas, para voltar à sua pergunta, não é
raro o caso de católicos que, para poder casar com um cônjuge ortodoxo, devem
ser batizados novamente. Mas isto não é recíproco e nós, os católicos, não o
fazemos.
Você é membro da secretaria do Sínodo dos Bispos.
O Papa Francisco citou publicamente a prática ortodoxa da “economia”, que prevê
a bênção das segundas uniões. O que pensa a esse respeito?
Essa prática reflete a diferença entre a
teologia e o direito canônico católicos e ortodoxos. Enquanto para a teologia e
o direito católico os celebrantes das núpcias são os esposos, que assumem um
compromisso perante Deus, para os ortodoxos não acontece um contrato entre os
esposos, mas é o sacerdote quem celebra. Além disso, com base na passagem
evangélica no qual Jesus diz: “Quem repudiar sua mulher, exceto no caso de
concubinato, a expõe ao adultério...”, o bispo da Igreja ortodoxa, ao avaliar o
comportamento e o que aconteceu após o casamento, com um juízo pastoral e
prático, não canônico, pode dar a permissão para abençoar uma segunda união. É
um tema muito delicado e complexo. Espero que o Sínodo possa ajudar os
pastores: não se trata, creio, de mudar a prática, teologia ou direito
canônico. Trata-se, sobretudo, de ir ao encontro desses cristãos que são verdadeiramente
crentes e que pedem a “regularização” da sua situação. É preciso ver como
ajudá-los.
Qual é a importância da celebração de 23 de
novembro que acontecerá na Basílica de Santa Sofia, em Roma, na Igreja que é o
ponto de referência histórico para os ucranianos?
João Paulo II, há 10 anos, disse que aquele
genocídio afetou o próprio tecido da humanidade, e que não era algo relacionado
apenas com a Ucrânia. De modo especial, é importante recordar, dado que a estas
pessoas negou-se inclusive a memória... Entre 1932 e 1933, milhões de pessoas
morreram de fome. Mas quero precisar que não se tratou de uma seca provocada
por causas naturais. Foram as tropas soviéticas que sequestraram o trigo e os
alimentos. Foi “fome artificial”, induzida. Para mim, tratou-se de uma arma de
destruição em massa muito econômica, uma atrocidade que ainda hoje faz com que
se congele o sangue nas veias. E os comunistas venderam o trigo confiscado aos
países ocidentais; alguns deles o compraram sabendo que era o preço da morte por
fome dos ucranianos. Espero que seja uma ocasião para que todos recordemos e
reflitamos sobre a justiça também em nível internacional. Convidei todos os
ucranianos para acenderem uma vela para recordar todas as vítimas desta enorme
tragédia humana.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
22 de novembro de 2013
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